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Reencontro com Sérgio Ricardo

A sabedoria popular nos ensina que é preciso ter cuidado com aquilo que desejamos. Afinal, por mais que um sonho pareça impossível, sempre corremos o risco de vê-lo realizado.

 

Exatamente há uma década, o compositor e multi-artista Sérgio Ricardo – autor de Zelão, Calabouço e da trilha sonora do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol – comemorava 70 anos de vida, enquanto o país festejava o centenário de Carlos Drummond de Andrade.

 

Na ocasião, ao entrevistá-lo para o jornal Estado de Minas, eu disse a ele que tentaria “fazer a ponte” para que a Fundação Clóvis Salgado produzisse em BH o espetáculo Estória de João Joana.

 

Trata-se do único cordel escrito por Drummond e genialmente musicado por Sérgio Ricardo. Por sinal, o próprio compositor fez os arranjos com instrumentação de Radamés Gnattali. A peça estreou em Brasília, em 1985, sendo lançada em LP e, 15 anos depois, num CD com as participações de João Bosco e Chico Buarque.

 

Grande elenco

 

Em 8 de março deste ano, nas comemorações do Dia Internacional da Mulher, assisti em Brasília ao grande espetáculo que sonhei para o Palácio das Artes. Lá estava a Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Cláudio Santoro, na sala Villa-Lobos, sob a regência do jovem maestro Cláudio Cohen.

 

No elenco, além de Sérgio e seus filhos João Gurgel e Marina Lutfi, destacaram-se Alceu Valença, Elba Ramalho e Geraldo Azevedo. Também estavam no palco os músicos Lui Coimbra (violão e charango), Bororó (contrabaixo), Jurim Moreira (bateria) e Armando Marçal (percussão).

 

Mais que uma simples apresentação musical, o cordel sinfônico representou o encontro da obra de Drummond e Sérgio Ricardo com o eruditismo de uma das principais orquestras do país. Bom lembrar que, há 27 anos, a estreia nacional em Brasília teve regência do próprio Cláudio Santoro.  

 

O cordel se passa no Nordeste e remonta ao regionalismo, esse gênero literário que tanto ajudou a consolidar a cultura brasileira. Palavras típicas usadas pelo poeta itabirano encontraram a justa medida em acordes perfeitos, cuja sonoridade lembra a paisagem da caatinga.

 

Ritmos nacionais

 

Plateia lotada, o público se emocionou com a sina da menina criada na roça como menino, feito a Diadorim de Guimarães Rosa, para sobreviver num universo notadamente masculino em tempos anteriores às lutas feministas.

 

Os versos de Drummond em redondilha maior ganharam mais força na partitura tão bem interpretada. A melodia valoriza ritmos como maracatu, batuque, coco, folia e samba de roda. O arranjo e a orquestração apresentam um desenho harmônico que lembra Villa-Lobos, a melhor expressão sonora do modernismo.

 

Lá estava eu, boquiaberto, depois de ter reencontrado Sérgio Ricardo na hora do almoço, no hotel onde ficamos hospedados. Sérgio sorriu ao se lembrar de nossa conversa em 2002, quando sugeri sua parceria com Drummond à direção da Fundação Clóvis Salgado, sem obter sucesso.

 

Dessa vez ele ficou surpreso quando eu lhe disse que, na condição de curador da Festa Literária de Pouso Alegre, estava ali para convidá-lo a participar das mesas que deverão discutir as relações da literatura com o cinema, o teatro, as artes plásticas e a música.

 

As coincidências

 

Na plateia do dia 8, também estavam o prefeito de Pouso Alegre, Agnaldo Perugini; o secretário municipal de Cultura e Turismo, Rafael de Camargo Huhn; e a coordenadora municipal de Políticas Públicas para Mulheres, Anete Perrone.

 

Emocionados na ida ao camarim, após o espetáculo, os três reforçaram o convite ao compositor e posaram para fotos ao lado dos artistas. Num momento de descontração, Perugini declarou para mim e Aníbal Macedo, idealizador da Festa Literária: “Vocês estão realizando um antigo sonho meu” – referindo-se ao evento que poderá ter como ápice a homenagem a Sérgio Ricardo.

 

O encontro selou um pacto, para que o Sul de Minas tenha de fato uma grande Festa Literária, entre 12 e 17 de junho. Coincidentemente, o compositor nascido em Marília e radicado no Rio fará 80 anos no dia 18, no momento em que se comemoram os 110 anos de Drummond e os 90 da Semana de Arte Moderna.

 

Também a Associação de Comércio e Indústria de Pouso Alegre (Acipa) completa 90 anos, enquanto a Usiminas (principal patrocinadora da Festa Literária) festeja meio século de existência, sendo que em 2012 celebram-se os 100 anos de morte de Adalberto Ferraz, primeiro prefeito de BH, por acaso nascido em Pouso Alegre.

 

* Publicado no site www.domtotal.com.br

 

1 comentário em “Reencontro com Sérgio Ricardo”

  1. Antônio Ssérgio Bueno

    Caríssimo Jorge, li com encantamento seu texto sobre seu reencontro com Sérgio Ricardo, a quem admiro desde priscas eras, antes mesmo do violão quebrado em santa e legítima indignação. Apesar de drummondiano, não me lembro do cordel em parceria com Sérgio Ricardo citado por você. Mas é bom demais saber desse encontro dessas duas imensas sensibilidades. Obrigado por esse texto e um abração de seu velho Antônio Sérgio.

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